-- É saudade então.
E mais uma vez
De você fiz o desenho pais perfeito que se fez:
Os traços copiei do que não aconteceu.
As cores que escolhi, entre as tintas que inventei
Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos
De um dia sermos três.
Trabalhei você em luz e sombra.
Era sempre:
-- Não foi por mal. Eu juro que nunca
Quis deixar você tão triste.
Sempre as mesmas desculpas
E desculpas nem sempre são sinceras --
Quase nunca são.
Preparei a minha tela com pedaços de lençóis
Que não chegamos a sujar.
A armação fiz com madeira
Da janela do seu quarto.
Do portão da sua casa
Fiz paleta e cavalete
E com as lágrimas que não brincaram com você
Destilei óleo de linhaça
E da sua cama arranquei pedaços
Que talhei em estiletes
De tamanhos diferentes
E fiz então
Pincéis com seus cabelos.
Fiz carvão do batom que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte.
Era sempre:
-- Não foi por mal. Eu juro que não foi por mal.
Eu não queria machucar você: prometo que isso nunca vai
Acontecer mais uma vez.
E era sempre, sempre o mesmo novamente --
A mesma traição.
Às vezes é difícil esquecer:
-- Sinto muito, ela não mora mais aqui.
Mas então porque eu finjo que acredito no que invento?
Nada disso aconteceu assim -- não foi desse jeito.
Ninguém sofreu: é só você que provoca essa saudade vazia
Tentando pintar essas flores com o nome
De "amor-perfeito" e "não-te-esqueças-de-mim". |